sexta-feira, 3 de maio de 2013

V de Vingança ("V for Vendetta", no original)

V de Vingança, dirigido por James McTeigue e produzido no ano de 2006, tem como protagonistas Natalie Portman e Hugo Weaving, na pele do personagem V. Outros atores e personagens compõe essa grandiosa obra do cinema de meados dos anos 2000, como Stephen Rea na pele do detetive Finch e John Jurt como o Alto Chanceler Adam Sutler.

Filme que se passa em Londres, capital inglesa, e, como pano de fundo, paralelos são feitos com o então decadente EUA, que por algum motivo não citado no filme (mas provavelmente, no original em quadrinhos tenha maior explicação), está em situação deplorável. Chegam a dizer que os americanos estão passando por um caos político interno tremendo, mas novamente, sem muita explicação no filme. Se você não leu os quadrinhos, apenas aceite esse fato. Não mudará em nada a sua interpretação.

A opção (dos produtores) pela distância do filme em relação à sua origem nos quadrinhos, fez com que Alan Moore - criador da série em quadrinhos, junto com David Lloyd - se distanciasse da produção cinematográfica e tomasse certa repulsa pela obra de dirigida por McTeigue.

Problemas de origem à parte, vamos ao filme. É importante notar que há um intenso diálogo do longa com o livro "1984", de George Orwell, em que há sempre alguém ou alguma câmera vigiando a pessoa ou qualquer atitude indevida. A sensação do "Big Brother" estar observando você (Big Brother is watching you) está constantemente presente no filme. A frase-lema do filme "Força através da União / União através da Fé" (Strength through Unity / Unity through Faith) faz alusão direta à colocação de Orwell, sobre o lema do partido totalitário de 1984: "Guerra é Paz / Liberdade é Escravidão / Ignorância é Força". Para o leitor mais assíduo, essa colocação fará bastante sentido para entender alguns conceitos de regimes totalitários e dá mais sabor para assistir o filme V de Vingança.

Além de um enredo extremamente cativante, com a escolha de excelentes atores (mesmo com o sotaque britânico forçado de Natalie Portman, que não chega a estragar sua personagem), o filme conta com especial toque de refino na escolha da trilha sonora. A cereja, o estado da arte neste filme, está na utilização da música "Abertura 1812", de Thaicovsky ('1812 Overture', para quem quiser procurar no youtube). Note que a primeira cena em que o personagem V aparece, tem a música tocando, com a destruição do tradicional prédio (Old Bailey) da capital inglesa. E é nessa cena que o deboche do filme com relação ao regime totalitário do Alto Chanceler Adam Sutler toma forma e personalidade: V de Vingança nasce como um indigente (no filme, não sei nos quadrinhos), sedento por vingança e por colocar um basta em todo o funcionamento político da Inglaterra, que fizeram com que todos os cidadãos abrissem mão de sua liberdade, em prol de uma "segurança nacional".

Para completar esse primoroso toque de sensibilidade e sagacidade, a última cena em que V aparece, culmina também com a execução da mesma música, MAS, desta vez, indo até o final, com as 16 salvas de tiros de canhão da música. Ao mesmo tempo, aproveitando o som dos canhões, na mesma cena, o Parlamento da Inglaterra explode, orquestradamente junto com o desenvolver (e o 'crescendo') da música. É extramente encantadora a última cena, com o perfeito fechamento do enredo, dos personagens e a conclusão da música. O espectador certamente fica estupefato com tamanha "alegoria" no cinema, comparada a eventos tal qual a queima de fogos nas viradas de ano, na praia de Copacabana. Eu diria, que é até melhor!

Uma rápida derrapada histórico-musical para entender a escolha da música para o filme. Composta por Tchaikovsky ao final do século XIX, a canção mistura trechos do hino francês (La Marseilaise) com partes do hino russo czarista (Deus salve o Czar), seguido pela clássica salva de tiros de canhões. A música "Abertura 1812" simboliza a desastrosa invasão do exército de Napoleão Bonaparte, em 1812, na Rússia. Apesar dos franceses terem vencido a primeira batalha, conhecida como Batalha de Borodin, a campanha napoleônica dali em diante fora desastrosa: o frio russo jamais experimentado pelos franceses, reduzindo o exército francês de 600mil para apenas 40mil homens, acabando com qualquer chance para Bonaparte. Ironicamente, 129 anos depois, a Operação Barbarossa, de Hitler, em 1941, segue quase o mesmo caminho. Novamente, o inverno russo é o algoz do alemão, beneficiando a Rússia; todo o resto é história. Voltando à música, seu final conta com salva de 16 tiros de canhão, simbolizando a derrocada e expulsão dos franceses do território russo. Ao ouvir a música (que tem duração aproximada de 15 a 20 minutos), fica bem mais evidente a intenção do compositor Tchaikovsky e a sensação causada no ouvinte.

Voltando ao filme, todo o desenvolvimento do personagem V e sua densidade, tem como objetivo final repelir as agruras do regime totalitário instaurado na Inglaterra e tentar lutar por uma situação de maior liberdade. Analogamente a música de Tchaikovsky, seria o mesmo que libertar a Rússia da invasão francesa, como aconteceu de fato na história real, e também ocorre no filme, na última cena já narrada acima.

Por fim, fica extremamente difícil comentar um filme de tamanha densidade e, talvez, eternamente atual. Todo o resto dos quesitos do filme são impecáveis. Ter este filme em casa não é perda de dinheiro e nem espaço, mas um eterno e constante ganho de cultura e a apreciação do sabor da sétima arte.

Recomendadíssimo!

Forte abraço!
;)

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Mistério da Rua 7 (no original "Vanishing on 7th Street)

Mistério da Rua 7, lançado em 2011, sob direção de Brad Anderson, obteve péssimas críticas e uma bilheteria ridícula em todo os EUA. Exibido em apenas 6 cinemas dos Estados Unidos, conseguiu arrecadar por volta de US$ 22.197 com as bilheterias, não chegando nem perto do seu orçamento, de US$ 10 milhões. No entanto, conseguiu recuperar, ainda que timidamente, o fôlego no estrangeiro: foram arrecadados, aproximadamente, US$ 1milhão, com boa parte oriunda da Coréia do Sul.

A pergunta que fica, logo ao assistir os primeiros 10 minutos é: por que esse filme foi feito? Teria sido uma boa oportunidade de usar o nome original (Vanishing on the 7th street) em prol de um roteiro mais interessante ou, ao menos, mais explicativo. A chance foi jogada, literalmente, no lixo.

Infelizmente, a tradução do título original para o português não passa muito a idéia do filme, que é o desaparecimento! A palavra "mistério" no título dá outra conotação. Mas nada que sacrifique o filme, que já nasce como um sacrifício para o espectador assistí-lo.

Até acontece algum tipo de suspense, mas sem nenhum fundamento. A cidade de Detroit pára de funcionar, simplesmente, em função de algum blackout, sem nenhum motivo aparente. O problema agora é que a cidade está perto do pôr do sol e as pessoas simplesmente SOMEM! Exatamente! Somem! Como num passe de mágica!! Apenas os personagens que estavam em contato com algum tipo de luz ou iluminação que não fora afetada pela falta de luz, sobrevive a essa primeira rodada de sumiço. Hum... Instigante até aí.

Logo, a solução encontrada, depois de algumas intensas discussões é: mantenha-se longe da sombra. Ok, uma boa proposta. E com isso inicia-se uma busca por combustíveis ou fontes de energia que possam continuar alimentando as lamparinas e luzes do bar em que os personagens se encontram.

Em algum momento os personagens começam a lembrar ou a sofrer com algo dentro da cabeça deles. Novamente, azar o seu, espectador, que não leu o roteiro e não entendeu o que o filme está querendo dizer. E não se iluda: as pessoas continuarão sumindo, já que a sombra vai dominando a cidade. 

Os personagens não encontram nenhuma outra solução. E o filme, não te dá nenhuma pista ou argumento para instigar o espectador a refletir a respeito de alguma solução ou até mesmo a causa. No início do filme, há a tentativa de relatar alguma lenda referente a Colônia de Roanoke, onde colonos ingleses desapareceram, misteriosamente. No filme, a palavra "Croatoan" aparece escrita nas paredes da cidade, fazendo forte alusão à lenda do sumiço dos colonos de Roanoke e a briga com ingleses, durante o período de colonização. Segundo os dados, esse evento e lenda, desenvolveram-se a partir dos anos 1550 em diante, e a lenda tomando corpo. Muitos comentários foram feito a respeito e a Wikipedia brasileira possui acervo muito mais interessante que o filme. Clique aqui e acompanhe melhor.

Infelizmente, o filme não informa esse detalhe para o espectador. Se você não é americano, e nem morador da Carolina do Norte (onde a lenda se passou), infelizmente você fica boiando e acha que "Croatoan" é apenas uma palavra legal criada para dar suspense ao filme. Mas o buraco é mais embaixo. E o filme esquece desse detalhe.

O final do filme, bom... Que bom que ele acaba!! Numa igreja!! Em um altar mega iluminado! UFA!! FIAT LUX (faça-se a luz, em latim)!!

Se o filme tentou passar a idéia de algum mistério ou lenda sobre Roanoke e a inscrição Croatoan, falhou vergonhosamente.

Não à toa, o filme foi um fracasso de bilheteria. Ao terminar, é capaz do espectador deve dizer para si: "Fiat  LUX!" porque esse filme, de tão traumática que é a experiência de assití-lo, gera um apagão no seu senso crítico.

Forte abraço!
;)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

E aí, comeu?

É com esse título, nem um pouco ambíguo (e também nada vulgar...) que o filme "E aí, Comeu", de 2012, sob direção de Felipe Joffily, ganha cara e, para os mais exigentes, um ponto negativo.
Protagonizado por Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira e Emilio Orciollo Neto, conta ainda com a participação de Dira Paes contracenando com Palmeira e Seu Jorge dando pitada especial (e bota especial nisso) de humor à trama.

Aparentemente o filme tem por objetivo ser uma comédia. Ou drama? Fica difícil conseguir definir isso durante o filme e até o final, a dúvida permanece. Impossível tentar dizer que os dois temas estão "casados" neste filme, porque isso é debochar com a capacidade interpretativa do espectador. E nem para tentar ser um ou outro, ou seja, comédia ou drama.

Os personagens não encantam.
Bruno Mazzeo, como Fernando, não consegue deixar de ser Bruno Mazzeo. Humorista de talento, com um DNA calibrado para a comédia. Fez ótimos trabalhos como no seriado Cilada, com início em 2005. Nele, Bruno consegue fazer o que talvez ele consiga ter feito de melhor até agora no humor, como ator: diversificar papéis e personagens num curto espaço de tempo, dando traços e jeitos diferentes a cada um deles. Mas fora do seriado, parece que o filme Cilada.com(2011) fica ecoando na cabeça da gente ao assistir o ator em outros trabalhos.

Marcos Palmeira, na pele de Honório, cascudo da tv brasileira e muitas novelas em seu histórico, consegue desempenhar bem o papel proposto: o estresse do dia a dia do trabalho e o cuidado que tem que ter no cuidado com as três filhas, além de uma mulher e um casamento estagnado e desgastado pela rotina. Claro que contracenando com Dira Paes, fica mais fácil e entendível para o espectador. De fato, entre eles dois, rola uma química que poderia ser aproveitado em roteiros melhores.

Emilio Orciollo Neto, interpretando Afosinho, até consegue encantar com a sua cara de 'coitadinho' e uma necessidade de sexo. Mas o personagem resume-se a isso: só quer sexo e nada além disso. Apaixona-a por uma prostituta e ele acredita que será o príncipe encantado a livrá-la da vida do meretrício. Essa idéia já tá batida... Um cara com o poder que o personagem tem de conquistar as mulheres, conforme apontado pelo filme, fica perdidamente apaixonado por uma prostituta? Poxa... Podiam ter colocado que ele procura um novo caminho ou uma mulher com quem quisesse se envolver mais intensamente... Mas enfim. Tá no roteiro.

Os encontros dos personagens só ocorrem no bar, onde só falam putaria. Ok, falar putaria é legal. Mas falar putaria alto a ponto de incomodar as mulheres da mesa ao lado? Demais né? Uma vez até vai, mas espera-se um mínimo de educação da pessoa. E cá entre nós: o bar é SEMPRE freqüentado pelas mesmas pessoas? As mesmas personagens nas mesmas mesas, com a mesma disposição em todas as noites?

O enredo, infelizmente, é insosso. Há um excesso de desperdício de recurso humano. Há momentos com espasmos de graça, com a fala de Mazzeo, azarando a menininha ninfeta de 17 anos na garagem de seu condomínio: "pilastra é um troço traiçoeiro." Talvez esse seja o ápice de sagacidade dos personagens principais.

Por fim, se você quer um (e realmente único) motivo para assistir ao filme, tem nome de artista, cantor, personagem e ator: Seu Jorge. Suas tiradas pontuais, conseguem ser objetivas, elegantes e francas, além do jeito malandro de falar, fazem dele o melhor personagem da trama.

Infelizmente, não há muito mais o que comentar. Talvez se o filme se preocupasse menos em inserir personagens com aparições especiais, como as de José de Abreu, Murilo Benicio e Juliana Alves, dentre outros, provavelmente os personagens principais e secundários teriam mais tempo e densidade para encorpar melhor o filme.

Forte abraço!
;)

A Dama de Ferro ("The Iron Lady", no original)

A Dama de Ferro, filme britânico lançado em 30 de dezembro de 2011 e disponível na Inglaterra em 6 de janeiro de 2012, tem direção de Phyllida Loyd e a premiadíssima interpretação de Meryl Streep no papel de Margaret Thatcher.

O filme levou 2 estatuetas do Óscar, em 2012: Melhor Atriz, para Meryl Streep; Melhor Maquiagem, sob direção de Marese Langan. Outros prêmios foram carregados também por Streep: melhor atriz no Globo de Ouro 2012, BAFTA 2012 e uma indicação (mas não fora vitoriosa) no Screen Actors Guild 2012. Não é para menos, pois Maryl Streep, como sempre fez em suas outras personagens, incorpora de tal forma que a atriz some no papel e o personagem consegue ser de tal sorte ser tão bem encenado, que, por vezes, consegue despertar uma inquietação singular no espectador, como o visto em "O Diabo Veste Prada", ao interpretar Miranda Priestly.

Os britânicos inicialmente não estavam confortável com a escolha de uma americana para atuar em papel tão importante, mesmo que controverso, como o de Margaret Thatcher. Mas deixando essa questão cultural interna à Inglaterra, continuemos o comentário sobre o filme.

Por mais bizarro que possa parecer, a alcunha de Dama de Ferro foi dada pela mídia da então União Soviética, em 1976, por sua forte oposição e luta contra o comunismo. Não sei, mas acho que os russos (particularmente os "soviéticos) têm alguma atração pela dureza e grandeza, exposta em ferros e aços: Stálin nada mais é do que "Homem de Ferro" em russo. Não por menos, Dama de Ferro seria uma longínqua comparação com o famoso e controverso líder soviético pós-Lênin.

Um rápido apanhado cronológico: Thatcher se torna líder do Partido Conservador em 1975 e nessa posição continuará até 1990. Em 1979, consegue ser eleita pelo Parlamento como a Primeira Ministra. Até 1990, Thatcher introduziu reformas econômicas e institucionais que mudariam para sempre, não só a cara da Inglaterra, como o comportamento econômico ao redor de todo o mundo.

Agora, voltemos ao filme.
O enredo do filme já é instigante por natureza. Aos mais velhos, que viveram os anos da Dama de Ferro, provavelmente assistirão com curiosidade e um mix de repulsa e admiração. Essa mulher mudou o modo que até então o mundo vivia e acreditava viver, seguindo ainda os anos dourados do Welfare State (os anos pós guerra, 50 e 60). Para eles, a crença num Estado altamente protetor e paternalista é quebrada e mudada, forçadamente, com a ascensão de Thatcher ao poder, o que pode explicar boa parte do ódio e uma visão um tanto opaca dos benefícios trazidos pela idéia do neoliberalismo (alcunha dada pelos jornalistas a um modo de pensar econômico diferente do presente até então). Do outro lado, para os mais novos, que não vivenciaram esta época, fica a curiosidade em entender a fama e a presença desse nome até os dias de hoje, e tentar perceber qual é o motivo de tamanha repulsa dos mais velhos a essa personalidade que virou o pensamento político-econômico vigente de cabeça para baixo.

Paralelamente a história real vivida por todos nós ao redor do mundo, o filme narra, com bastante detalhes, a vida pessoal e familiar de Thatcher, desde sua infância, sua visão, estudos, introdução na política, a crença na mudança da mentalidade machista, a chegada ao parlamento, reformas como ministra da educação e, finalmente, o cargo de Primeira Ministra. Não sei se totalmente verdadeiros, mas independentemente de fidedignos ou não, constroem um personagem com a riqueza de detalhes e densidade suficiente para que o filme e personagem principal tenham vida própria. Cabe aqui ressaltar euforia vivida encenada por Meryl Streep, com a simbólica cena dela entrando no número 10 da Downing Street, residência oficial do Primeiro Ministro Britânico.

A readaptação de Thatcher e seu constante polimento como política durante sua ascensão até ter notoriedade pública são fascinantes. As aulas de fonoaudiologia, a mudança da fisionomia, as novas roupas e uma maneira diferente de se comportar, tornam-na uma pessoa completamente diferente da mulher interiorana do subúrbio inglês e fazem dela o baluarte do recato, cordialidade - e frieza - britânicas.

Para os mais observadores e apreciadores de um passado nostálgico, atenção especial às mudanças que vão ocorrendo, naturalmente, com os carros que deixam de ser os antigos, bem retrôs e vão sendo inseridos carros mais modernos durante o filme. Além disso, o figurino vai sofrente pequenas alterações até os anos atuais, quando o filme se passa, e o momento em que Thatcher começa a sofrer de esquecimentos e a perda da noção do tempo e do espaço ao seu redor.

Divagações sobre o então marido (já falecido) e sobre a infância de seus filhos (que ela não conseguiu viver bem, em função da busca constante pelo poder e pela ascensão), dão o pano de fundo para a construção de um lado sentimental e muito mais íntimo com a ex-premiê. Tal colocação do filme gerou inquietações dos familiares de Margaret, que se irritaram com a riqueza de detalhes e da escancaração da sua vida pessoal a todo o mundo.

Ao assumir o governo, em 1979, os problemas econômicos da Inglaterra eram muitos, mas basicamente inflação, desemprego e baixo crescimento industrial.
O que pode ajudar a explicar o ódio extremado dos mais velhos pela então Dama de Ferro, foi o fato dela ter acabado com os privilégios estatais aos mais diversos setores da economia. Subsídios, tarifas protecionistas e outros benefícios foram abolidos em seu governo. A economia britânica ficou literalmente exposta ao mercado e ficou evidente que o modo de produção (no mais amplo sentido) inglês não era suficientemente eficiente para concorrer com outros países que estavam à frente da Inglaterra em termos de produtividade, como os EUA ou até mesmo o ascendente Japão. Nesse aspecto, a pancada promovida por Thatcher na organização econômica, obrigou que muitos setores tornassem-se mais eficientes, através das demissões e melhorias nas plantas produtivas. Em função das demissões em massa para tornar a economia mais eficiente, vários sindicatos e trabalhadores foram prejudicados, além de redução em salários, já que viviam, até então (herança do Welfare State, citado no início do post), tendo uma vida razoavelmente protegida e sem preocupação, pois havia muitas garantias, inclusive as patrocinadas pelo Estado. Entretanto, com o fim das riquezas e a exaustão da economia, tais benefícios não poderiam mais ser sustentados.
Seguindo esse raciocínio, as reformas introduzidas por Thatcher causaram muita discórdia na população. O seu custo político inicial foi extremamente alto, incitando revoltas e piquetes contra o governo. Nesse aspecto, o filme consegue retratar com maestral capacidade a revolta da população. Uma cena inquietante ocorre quando alguma espécie de comida, acho que ovo, é atirado contra a janela do carro de Margaret. Apesar de ter acertado somente o vidro e esparramado, o tapa na cara da Primeira Ministra ficou registrado com uma bela e tocante imagem. Em tempo, um outro filme que narra bem o drama da classe operária, com conseqüências para a população de mais baixa renda, é Billy Elliot (2000), que apesar de não situar o espaço-tempo em que ele se passa, fica evidente que está inserido no contexto da Era Thatcher.

Enfim, Thatcher promove privatizações e remoção dos subsídios aos setores da economia, tal qual ocorreu no Brasil nos idos dos anos 90, iniciando-se com Fernando Collor, tendo grande ênfase no governo Fernando Henrique Cardoso e continuando no período Lula - ao contrário do que muitos acham.
Essa herança e resquício da Era Thatcher resvalou imensa e intensamente no Brasil.
Da mesma maneira como ocorreu aqui (tempos depois, óbvio), na Inglaterra houve um susto inicial muito grande com as privatizações. Porém, com o passar do tempo e uma constante e gradual melhora dos indicadores econômicos, a população se conscientizou que privatizar não é tão ruim quanto parece. O debate sobre privatização dá pano para manga, que foge ao escopo deste post.

Infelizmente, o filme não narra com detalhes muito ricos a Guerra das Malvinas (ou Falklands War), ocorrida entre 2 de abril e 14 de junho de 1982. Da mesma maneira que Thatcher enfrentava problemas internos no início do seu governo, com revoltas e piquetes, a ditadura argentina também enfrentava questionamentos e problemas internos em sua política. Qual foi a saída encontrada pelos argentinos para unir a nação em prol de um objetivo externo e relegar a situação interna ao segundo plano? Iniciar uma guerra! E as Malvinas foram o local e motivo escolhido para os argentinos esquematizarem uma guerra com um objetivo que transcendesse os problemas internos: a soberania nacional estava ameaçada.

Enfim, a Argentina enviou contingente suficiente de jovens às ilhas, que, infelizmente, perderam suas vidas sob fulminante ataque britânico. À noite, soldados ingleses utilizavam óculos de visão noturna, tecnologia até então desconhecida pelos argentinos. A batalha marítima se deu de forma totalmente desproporcional: a Argentina possuía um submarino 'convencional'; já a Inglaterra enviou 3 submarinos de propulsão nuclear. A partir daí, tire suas próprias conclusões. A única cena narrada desse episódio no filme ocorre quando o navio de maior importância política e militar argentina, o General Belgrano, encontra-se em posição para ser abatido pela frota britânica. Com um sonoro "sink it" (afunde-o, em inglês), Thatcher acaba com o mal estar provocado pela guerra - e com as vidas da tripulação argentina no navio em questão.

Resultado: Inglaterra vitoriosa e os louros e dividendos de uma vitória de guerra recaem sobre Margaret, inflando sua popularidade e poder sobre os ingleses; do outro lado, a derrota argentina coloca em maus lençóis a ditadura militar argentina. Não por coincidência, o fim da ditadura se deu em 1983, na Argentina.

De longe, EUA e União Soviética tinham olhares divergentes: enquanto os americanos estavam encurralados em um tratado de paz na América (TIAR), incluindo a Argentina, eram também signatários da OTAN, tratado do Altântico Norte com países como a Inglaterra; assim, os americanos deveriam escolher um lado ou outro, quebrando um dos dois acordos em função de sua escolha sobre qual lado defender. Independentemente da escolha, para os soviéticos, qualquer escolha feita pelos EUA seria desastroso no âmbito da politica internacional americana, o que de fato ocorrera: os americanos ficaram com o "filme queimado" na América como um todo. Entretanto, o desfecho da Guerra Fria é fato histórico já. Para maiores informações sobre a Guerra das Malvinas, ler artigo da Wikipedia, com vasto acervo de informações e documentos.

Com o passar do filme e o crescente e constante desgaste da figura política de Thatcher dentro da própria Inglaterra, o filme consegue narrar esse feito com bastante precisão. O "timing" da Primeira Ministra já não é o mesmo e o desejo pelo poder ofusca sua visão e a faz ignorar seus assessores e aliados políticos. Já sem aliados e alicerces para se sustentar na política, Thatcher renuncia ao cargo de Primeira Ministra, evitando maior desgaste político. Mas isso tudo não pode ocorrer ANTES que ela mesma seja uma das protagonistas, junto com Ronald Reagan, do enterro e fim da União Soviética, com a queda do muro de Berlin em 1989, sendo ela a única Chefe de Governo mulher presente no encontro dos países contrários a União Soviética (clássica foto colocada também no filme). Para uma análise mais aprofundada dos últimos meses da derrocada soviética, ler "1989: o ano que mudou o mundo", de Michael Meyer.

Por fim, é importante enfatizar que assistir o filme "Dama de Ferro" sem uma boa base histórica e uma pincelada de idéias econômicas, fica difícil compreender com mais sabor e precisão o enredo. Não sei se por limitação de tempo ou alguma questão de roteiro, o filme deixa a desejar em maiores explicações sobre as atitudes e propostas de Thatcher.

No mais, filme recomendadíssimo, principalmente por ter um leve teor documental ao redor dele!

Forte abraço!
;)

Filha do Mal (no original: "The Devil Inside")

Com a proposta de um enredo aparentemente cativante, Filha do Mal, lançado em fevereiro de 2012 e dirigido por William Brent Bell, deixa muito a desejar logo nos primeiros 15 minutos.

Para os espectadores mais exigentes, não vale a pena "alocar" o seu tempo assistindo esse filme que aspira passar uma sensação de terror ou melhor, suspense. A sensação que tive ao assistir o filme foi que ele é uma clara tentativa de tentar passar a idéia de um documentário. Infelizmente, por muitos problemas, essa sensação não nos é passada. Vou citar algumas razões para isso:

  • Dá para perceber que a luz tem um razoável controle, dando a entender que os cenários são pré-montados. Se a idéia é passar um documentário, que pelo menos reduza a quantidade de interferência no ambiente ao redor.
  • O texto é pobre e os personagens não conseguem passar uma densidade suficiente, fazendo com que o espectador não enxergue uma "vida própria" dos personagens.
  • Excesso de previsibilidade: quando você entende a receita utilizada pelo filme, logo no início, todo o resto é só uma confirmação da expectativa barata formulada por nós ao longo do filme. Nada muito além disso dá para perceber ou assimilar.
Por outro lado, há alguma pincelada no tema de vidas aleatórias, como aparições demoníacas ou incorporações dos indivíduos. Mas o suspense todo e a idéia caem por terra com os "sintomas" que os exorcistas explicam que a pessoa aparenta quando está possuída:
  • Força sobrenatural - sério que ainda utilizam isso como "tempero" para a entidade sobrenatural?
  • Falar em várias línguas - isso também já fica meio clichê: do nada o sujeito vira poliglota ou fala alguma língua de algum passado longínquo (a civilização Suméria é uma boa escolha, viu roteirista?). Eles ainda tentam fazer você engolir que falar inglês em vários sotaques é o "mesmo que falar outras línguas". Ok, agora se eu falar português com os 26 diferentes "dialetos" de cada estado brasileiro, quer dizer que eu sei falar 26 idiomas diferentes? Conta outra...
  • Poderes sobrenaturais - não é redundante com a força sobrenatural? Bom, nesse ponto o possuído pode mover objetos do lugar, sem sequer se mover. Esse poder também é razoavelmente clichê, mas pode ficar divertido se fosse bem usado.
Para entender melhor como um "poder" demoníaco pode ser irritantemente assustador e deixa você bem mais tenso do que em "Filha do Mal", assista "Caso 39". Esse sim, merece mais atenção e respeito.

Voltemos ao filme. A função da Igreja Católica no filme não fica muito bem colocada. Você não sabe se a Igreja Católica está contra o exorcismo, se ela é realmente burra a ponto de não ver que pessoas ao redor do mundo estão possuídas, necessitando de cuidados religiosos (?). Ou até mesmo, se a Igreja Católica foi inserida no filme apenas para dizer que existem 2 padres entusiastas da idéia. Em mais um ponto, o filme não te dá suspense, mas deixa você totalmente suspenso no ar, sem entender nada do que tá acontecendo ali. E não anseie por um final razoavelmente explicativo. Não se anime com isso.

O único suspense desse filme é: será que ele, em algum momento, vai ficar bom ou interessante? E esse suspense termina no último minuto com uma única resposta:
Não! Ele não fica bom e nem interessante...

Forte abraço!
;)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Flores do Oriente (no original: "Jin líng shí san chai")

Flores do Oriente, filme chinês, produzido em 2011 e lançado em maio de 2012, tem direção de Zhang Yimou, (que também foi diretor de "Clã das Adagas Voadoras").

Flores do Oriente conta com belíssima e comovente atuação de Christian Bale, na pele do agente funerário John Miller, que chega a China em 1937, no meio da segunda guerra entre China e Japão. O episódio narrado ocorre em Nanquim, província chinesa invadida pelos japoneses durante a guerra.

Um começo extremamente chocante, com o abuso do uso da cor branca para chocar o espectador, compõe a cena inicial que dá boa parte da característica do personagem de Bale: um sujeito desajeitado e indiferente com o mundo ao redor e que preocupa-se apenas consigo mesmo e com sua sobrevivência. Esses traços permanecerão com o personagem até meados do longa, quando um anseio de proteção das meninas e prostitutas alojadas na igreja em que ele ia realizar seu trabalho de agente funerário, tomam conta da sua mente.

O objetivo principal da presença de Bale na igreja é enterrar o sacerdote que ali morrera, e dar-lhe as honrarias finais de um funeral. Entretanto, o filme se desenrola e, seguindo seu instinto de sobrevivência indiferente aos demais ao redor, Bale se torna, de uma hora para outra, padre da igreja local, assumindo, então, o lugar do sacerdote morto, achando que conseguirá desfrutar de certo privilégio como um quarto, à primeira vista do personagem, cheio de recursos e bebidas alcoólicas que possam saciar seus anseios etílicos.

Nesta mesma igreja funciona uma espécie de internato feminino, para crianças e adolescentes meninas. Com a guerra, os pais das garotas certamente morreram em algum canto da China ou então perderam o completo acesso ao internato, impossibilitando-os de qualquer resgate ou fuga do território para algum lugar mais seguro para os chineses. Nesse grupo, nota-se o destaque da pequena Shujuan Meng (Xinyi Zhang), uma das internas, cujo pai tenta, a todo custo, se vender aos japoneses para então conseguir resgatar sua filha daquela situação.

Cabe aqui também ressaltar a grande e ilustre presença do Major Li (Tong Dawei), um dos personagens mais inteligentes que vi em tão pouco tempo de aparição no cinema. Herói nacional na China, pelo episódio que fora narrado de geração em geração na China, o personagem consegue desmantelar todo um destacamento japonês, com armadilhas precisas e movimentação singular, que simulam a presença de uma expressiva quantidade de soldados chineses fazendo resistência contra a invasão chinesa. A inteligência dele reside, principalmente, no fato de saber que sua vida terá prazo finito e sua situação (em função do seu posicionamento na cidade e a provisão com alimentação e munição são finitas) e a partir daí bola um sensacional plano de auto destruição, com o intuito de levar o máximo de japoneses junto consigo em sua morte. Essa cena é de singular beleza e heroísmo, além de uma cativante e comovente interpretação de Dawei, que conseguiu colocar, em poucos quadros, a dor, aflição e angústia nessas situações e, ao mesmo tempo, um pingo de satisfação pelo dever cumprido ao proteger o internato dos japoneses pelo máximo de tempo possível.

Do outro lado da cidade, um grupo de prostitutas, lideradas pela personagem Yu Mo (Ni Ni), que conseguem encontrar abrigo, a muito custo, no internato das meninas, já sob os cuidados bem lenientes do personagem de Bale. É no ambiente da igreja e do internato que o choque de culturas entre as meninas ainda adolescentes, bem instruídas, com as mulheres maduras, prostitutas e de maneiras vulgares, ocorre. O atrito entre elas é o principal em boa parte do meio do filme. Aos poucos, ambos os grupos começam a ceder, mas isso só ocorre quando um destacamento de soldados japoneses descobre que aquele internato é esconderijo de chineses e, principalmente de mulheres.

A mudança no relacionamento entre Miller, as prostitutas e as garotas vão ocorrendo e essa relação vai se tornando menos hostil e cada vez mais de companheirismo. Cena marcante dessa troca ocorre quando o Coronel Hasegawa (Atsurô Watabe) ouve o coro das internas e fica encantado. A fama da presença delas chega ao alto comando japonês que impõe um convite as meninas para que, com o seu coral, vá a um evento japonês para cantar para o "comandante japonês" e alegrar a noite.

Astutas, as prostitutas, com a experiência de terem vivenciado estupros e atrocidades feitos pelos japoneses contra as mulheres chinesas, ficam comovidas com a imposição da presença das meninas em tal cerimônia e se oferecem para ir no lugar delas. Essa troca de papéis, inicialmente, provoca inquietação em todos os componentes de cada grupo, inclusive do já então conclamado padre John Miller. Mas a decisão final é que as prostitutas irão no lugar das garotas, a fim de protegê-las para uma possível fuga no futuro.

A melhor cena é a transformação ocorrida nas prostitutas: o corte de cabelo ousado dá lugar a um corte de cabelo mais recatado, inocente, criança. A sensação que passa ao espectador é que, por um breve momento, antes do final das suas vidas (já que as prostitutas sabem qual será o seu fim), conseguirão revisitar seus próprios passados, dotado com inocência peculiar à infância. Os olhares ficam mais serenos, e uma doçura pré-morte domina o ambiente entre as prostitutas.
Entretanto, a falta de mais uma mulher para compor o número total inicial de crianças no coro, é completado pelo único menino presente no internato, George (Tianyuam Huang), que se submete a uma total transformação de seu físico e rosto, com maquiagens e uma peruca confeccionada na hora, para a caracterização plena do personagem em uma garota. Ato e prova de amor incondicional às meninas que cresceram e zombaram dele na infância. Esse momento do filme é o toque final na idéia de troca de vidas e de amor ao próximo e a uma esperança de futuro melhor para as possíveis meninas sobreviventes.

De fato, Miller arranja uma maneira de fugir com as meninas e as prostitutas e o garoto nunca mais foram vistos.


Por fim, cabe ressaltar aqui a belíssima fotografia do filme Flores do Oriente, com excesso de apelo aos tons acinzentados de cascalhos de guerra com as fortes e contrastantes cores da China, como o vermelho gritante, contrastando, ao fundo, com um altar em tom escuro cinza-marrom. Essa mistura torna o filme ainda mais especial no tocante à sua beleza e concepção. Os ângulos para captar as cenas e os momentos de tensão foram muito bem escolhidos, dando maior drama e densidade ao longa, aumentando a expectativa do espectador. Para quem assistiu Clã das Adagas Voadores, não poderia esperar algo muito diferente: som e cores numa mistura que encantam o espectador ocidental (e quiçá o oriental?) com simplicidade e objetividade.

Mesmo objetivo, o filme consegue conservar suficiente subjetividade e desenvolvê-la durante todas as 2 horas e 24 minutos de filme.

Recomendadíssimo!

Forte abraço!
;)

A Onda (ou "Die Welle", no original em alemão)

Difícil comentar um filme tão denso quanto "A Onda", feito na Alemanha, em 2008, dirigido por Denis Gansel e tendo como personagem principal o ator Jürgen Vogel, fazendo o personagem do professor Rainer.

A escola ofereceu, por uma semana, cursos aleatórios, intensos, sobre diversas matérias extra-classe que complementem o aprendizado de cada aluno. Rainer não conseguiu montar sua aula de anarquismo, pois já havia outro professor que inscrevera-se antes para ministrar tal curso. Assim, o protagonista resolve dar uma aula sobre autocracia e suscitar o debate em sala de aula: regimes autoritários, como o nazismo ou fascismo podem voltar a surgir na Alemanha?

Incrédulos, os alunos recusaram, de imediato, devido a carga negativa que o nazismo traz sobre a Alemanha até os dias de hoje. Entretanto, o professor resolve provar o contrário e demonstrar a eles que, com uma boa manobra de massas, é possível converter a mentalidade da pessoa a um movimento extremamente autoritário como o nazismo.

Utilizando técnicas de discurso como o Hitler utilizava em seus comíssios, assessorados por Goebbels (ministro da propaganda do Reich), o professor deixa os alunos inquietos, promovendo a idéia de união pela força. A mudança da disposição das carteiras em sala de aula e a unificação de alunos bons com alunos ruins, em pares, já que as carteiras são compostas de duplas, faz com que todos os alunos, na média, tendam a se equiparar, aprendendo uns com os outros e formando um corpo uno.

A idéia da unicidade é muito bem passada quando o professor, já com um alto grau de confiança conquistada pelos seus alunos, consegue orquestrar um movimento em massa com precisão de orquestra. Além de demonstrar ao outro, ao olhar externo uma grande união entre os membros, o som e o barulho provocado pelas batidas na carteira geram um fervor de identidade como os alunos não tinham experimentado antes. Nesse ponto, é interessante notar que todo o sistema fascista (e o sistema nazista também) geram a identidade de cima para baixo, ou seja, do Estado para a população. Ao contrário do que ocorre em regimes não-autoritários, onde o indivíduo pode ter o gozo pleno de suas liberdades e faculdades, em que a identidade ocorre de dentro do indivíduo para fora. Vai ficando evidente como uma pessoa com personalidade mal definida, ou alguma carência de identidade própria e afeto, conseguem ser rapidamente debeladas (não digo sanadas) pelo regime autoritário e pela liderança do professor.

Mais ainda, vale a pena uma derrapada para fora do filme para questionar e verificar a postura de um regime fascista: mais do que lutar contra o comunismo na década de 1920~40, o fascismo tem como objetivo, primordialmente, garantir que a sociedade continue produzindo mão de obra qualificada, barata, disposta e altamente produtiva em prol de um objetivo comum, que pode ser, muitas vezes, a suprema soberania nacional e a crescente ameaça aos territórios estrangeiros que estão na fronteira com o país. Convido você a assistir um video de Hitler discursando para a juventude nazista, e que é parte da obra de Leni Riefenstahl, (cineasta do regime Nazista, tendo um de seus filmes "O Triunfo da Vontade", disponível aqui no Brasil), e tentar entender como um discurso bem organizado e enfático, inclusive com o tom adequado nas palavras adequadas incitam você a estar a favor do regime ou do "líder" em questão.

Com a proximidade do fim do filme e clímax, Rainer começa a perceber que sua grande obra tem que acabar. Entretanto, como a mentalidade autoritária está tão entranhada e incutida na mente das crianças e adolescentes, acabar com o movimento não é mais uma questão de término de um trabalho escolar ou o fim de um dia, mas o fim de uma vida para muitos, uma vida que teria uma certa esperança de mudança para uma Alemanha melhor, conforme a proposição do protagonista, no início do seu trabalho com os alunos.

Por fim, o comentário sobre o filme é extremamente difícil e cada cena é rica em detalhes visíveis, como uma bela fotografia e enredo brilhante! E além disso, repito: cada cena tem uma fundamentação histórica e alusões traumáticas a um passado de uma Alemanha nazista autoritária que teve o seu auge em meados da década de 30 e sua derrocada em 1945, quando o movimento ruiu com a morte de Hitler e prisão/suicídio/execução de todo o establishment nazista.

Filme excelente, inclusive para tê-lo em casa para assistí-lo ao longo da vida!

Forte abraço!
;)